terça-feira, 20 de outubro de 2009

A aparição mais terna que inventei


[quadro de Paul Gauguin]

A aparição mais terna que inventei
Foi uma trova antiga
Estes teus olhos de morna alquimia
Renasce em minha casa de Rei.

Fui para o brejo com tudo, com as canções,
Elegias, papyros e adornos de nácar e ouro:
E com todas as sensações que “poderiam ter sido”.

E enfadado de Rio, Rei e amorosa Lua
Matei meus súditos e minha lei
Para viver afastado da memória e das trovas
E da aparição mais terna que inventei.

Todos se divertem



E todo o silêncio da modernidade
Incomoda minha casa
E minha poesia impura e calculada
Veste a ferrugem de um coágulo
Recompondo a ânsia
E a solidão.

Todos se divertem
E eu estou aqui estudando miolos
Todos se apaixonam
E eu estou envelhecendo com o amor
Todos festejam o que quer que seja
E pelas paredes velhas do que sou
Tenho um ser malogrado e sem centelha.

estou desqualificado
Para compor a mesa. Dê-me um cigarro,
Não fumo... Corte o copo ao meio
Tenho doenças por bebida... quero comer
Saudades postas... sei que o teu rosto não é
o de outrora, nem o meu.
Mas tenho algo, formidável e puro
Para escalar estrelas...

Luzes no vagão solitário


[quadro de Hans Hartung]

Luzes no vagão solitário
Dor da noite, parto de lágrimas...
Minha comoção é um couro sidério
E minha pele um céu sem estrelas ou dias.

E para aonde vou, estrada de nostalgia,
Beijo amargo que alberguei, cinamomo frouxo
Crisântemo orvalhado de ceramias
Asco e cripta no cheiro plúmeo e fosco.

Tenho cartas cinzas, livros de código,
Passagens só de ida.

Adorno fantasma no meu caderno fechado
Dos poemas que me enojei
Dos versos que não suporto
Ao soco de urzes
Nos meus arquipélagos de misantropia.

Música ferida



Música ferida

De meu contorno

Dor do asco

Em teu corpo.

Música ferida

Dos pátios

Pedaços estáticos

Flácido bojo.

Fende, febre rude

A dardejar

Um compasso

Primeiro laço

A despedaçar.

Concha marfínea

Nota estelar

Cai de minha boca

Fendida

A sangrar.

Música ferida

De meu contorno

Doença emocional

Exílio de ouro.

Canto cinza.



Canto cinza.

Joguei pedras no lago
Vi meus olhos translúcidos
Através de minha gaiola, um ar entrecortado,
Olhar de restos, impressões contidas na cinza...

Se viveres livre, atormentado de anseios frios
Quero que olhe no rodamoinho de minhas mãos
Esmague as frutas para a minha manhã
E sirva pétalas para um jantar sólido.

Olhar de passarinho roto...
Estão impregnadas de mensagens
As tuas mãos com o cheiro
de lembranças...
Deixe a porta e a água, e as sementes...

Eu vi apenas ressurgir no reflexo das águas
Sobre as ondas de leve impacto de minhas perdas
O teu rosto nanico.







Deslizam...


Induz a erro os olhos pelas vias de vários enigmas.
Ovídio.


Espelhos,vidros, náusea.

Flutuam sobre a tumba náufraga

Dedos de mulher não nascida

E os sonhos dos sonhos em fogo fátuo

Traçam rotas sem leme, ogivas mergulhando no mar

E o sal inoculando vespas e aranhas...


E dos versos ressonantes que fluem façanhas,

Delírios, mãos decepadas pela lua cantante

bocas roxas de beijos engolem o instante:


E os sinos dos rios no ambiente sonâmbulo

Espalham signos de poros no sonho ermo

Eu acordado pelas luzes virtuais do meu sono.


E não sabendo que as vagas negras são de pesadelo

Os meus passos perambulam como frios pomos

Entre jardins vicerais, azuladas conspirações

Deslizam sobre flores de lótus e cinamomos...



O ventríloquo.

O ventríloquo.

Acostumado ao ócio, ao temperamento
Frio de sua avó e ao frio do campanário
Suas ferramentas estão desgastadas.

E reconstruindo seres opacos,
Transformando idéias em movimento,
Um alquimista da imprecisão, do tormento,
Cria seres sobre a luz de um dia de inverno.

A solidão o sufoca, enquanto que o martelo
Cria corpos mortos de seres amados a um certo dia

O ventríloquo recria o amor esquecido e incerto.


Bem vindos ao céu.


Bem vindos ao céu.
bailarinas de cinzas e torres decompostas!
mártires imolados e dengosa crianças do interior do Piauí.
sorris com olhos de fome e pregai os pregos de vossas cabeças!
entrem santos e humilhados.
comam na mão como cães.
beijeis o símbolo abjeto,
mastigueis o mistério preclaro.

Arco íris para os não nascidos.
maré vazante para a noite sonâmbula.
casulos e arcanos para idéia nobre.
Bem vindos ao céu!
mendigos, malfadados, taciturnos, prostitutas e leigos.
bem vindos ao plástico supermercado de abonações de pecados!
viva!
venham beijar os pés da mentira!
venham namorar o medo e a desolação!
venham capitalizar a morte!
eu quero vender os seus olhos!
tenho lençóis e tigres famintos!
tenho ampulhetas para o sono mais febril.
por que a morte já foi escancarada!
já rodopiaste com tua alma em chamas através do céu!
Acaso os anjos tragaram os restos de tua caveira?

Não existe motivação para a poesia.

[quadro de René Magritte]

Não existe motivação para a poesia.
Ao menos a minha, é opaca.
Influenciada pela embriaguez da lua.
Ou a chegada da madrugada.

Por quê, ora ou outra, mastigado
Por uma débil alegria
Estou a catar os copos
Do último festim, feito sangria.

E esse balão morno, invólucro
De ventania
Come o vesgo óbolo
Para reinar no vicio, na putaria;
Festejar um escândalo nascente
Do poeta e seu Deus um simulacro.

Não, só o que bebo, e recaio,
Como um trovão, apartado da luz,
Como um beijo de fim, sem laço,
Não escrevi com sangue, disfarço,
A cantilena do que sou.

Fiquem com as ruas, calçadas, postes;
Com tudo o que quiserem
Motivação é merda, estro é desdém
Poesia é mentira.

O lago Verde de Rimbaud




Depositarei ouro lodo despido
Em meus cadarços de casa inundada.
tonéis do sonhos andando
Meu corpo afogado de morte
Procriando ecos de uma elegia muda
Tumba de séculos procriando luas
Na paixão adornada de cinza e tácito voar.

Um Ser.

estranho... mas entre eles havia
um ser a quem todos os poetas estendiam
suas nuvens e telhas como mulheres nuas
um ser a quem foi dado a capacidade
de dar capacidade aos poetas de nomearem as coisas
e nele, estão selados todos os objetos e poesias
do porvir, e a própria chave do esquecimento
[a chave que amortece a tua chegada ao mundo, a tua chegada;
[a tua chegada cheia de silvos e pegadas de vento,
O vento esquecido que levitarás quando escreveres
Os primeiros poemas...

A terceira filha do senhor Almir.

A terceira filha do senhor Almir.

Todos os dias ela me vê comprando pão.
Embora eu desminta o seu olhar,
Tenho ânsia de beijar-lhe o sexo.
Tenho paixões destinadas ao sonho
E a imbecilidade da cerveja tranqüila
Que nossos filhos beiçudos cantarão.
Mas ela, inocente como uma mula, não
Sabe a cláusula da desdita. E eu serviria
Seu pai se não fosse a minha inaptidão para coisas
Do comércio...
Serviria sim, sete anos, até mais, até menos...

Todos os dias ela me vê comprando pão.
Embora eu desminta o seu olhar,
Serviria sim, sete anos, até mais, até menos...

Poema para uma noite de março

O amor que ficou em mim

Penumbra, fibra de ósculo

Nervura plúmea e vaga dos teus olhos

A matizar a dor da chuva sobre

A frei Serafim.


E a trafegar sobre a ponte

Faltam luzes em algumas casas

Lâmpadas distorcidas, cor de pérolas

Linhas irrefletidas como quimeras...


O amor que ficou em mim

Como baldes de diamantes, livros de ouro

De algum poeta-Deus

Resgatou

Em uma noite qualquer

A lembrança esguia do teu nome

E nada mais...


Dança do Labirinto de chumbo

Dança do Labirinto de chumbo

{as andanças do poeta ainda vivo}

Thymochenko C.


sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Receia.

Receia.

A tua volta – face de memória

Imperfeita em toda extensão minha:

Recriada – fugídia; a ilusão

De minhas horas perdidas, apagadas

De uma têmpera nada esmaecida

O teu abraço é grande e vasto, vão;

Fenda apertada ou ave de rapina

Som alado, morfina de ilusão.

E depois, tarde, tanto quis te amar

Que meu zelo venceu o velho mar

De minhas tentações a esmo, eu fiz meu

Rito, e não temeria guardar tesouros

Em meus tonéis de esquecimento e dolo

Para não por a prova outro lamento...